sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O Suprimento

[Postado anteriormente no blog Poemas, Contos e Crônicas em 05/10/2008] Francisco Estêvão

Entrei no gabinete para fazer uma de minhas primeiras audiências. Tratava-se de um caso de suprimento judicial para casamento de mulher menor de 16 anos. A menor havia sido seduzida e o sedutor manifestou o desejo de desposá-la. O Código Civil anterior estabelecia que o homem poderia casar a partir dos 18 anos de idade e a mulher a partir dos 16. Em ambos os casos seria necessário a autorização dos pais, posto que a maioridade civil só se dava aos 21 anos. Mas a mulher menor de 16 anos, vítima de sedução, poderia casar com o ofensor para evitar que ao mesmo fosse imposta pena criminal ou o cumprimento da mesma. Resumindo: para evitar processo ou cadeia o camarada casava (obviamente muitos casavam porque queriam mesmo). Mas não tendo ainda a mulher idade para tal, teria que obter a devida autorização judicial.
Voltemos a audiência. Ela (e muitas outras) me fizeram aprender que é uma realidade quando se diz que “cada terra com seu uso” e que a “teoria na prática é diferente”... Presentes, além do juiz, o promotor de Justiça, o Defensor Público, os pais da noiva, os noivos e o escrevente encarregado de datilografar o ocorrido na dita audiência. 
Para que fosse outorgado o suprimento se fazia necessário a realização de uma audiência. 
Além do laudo médico confirmando o alegado pelos pretendentes, o juiz deveria ouvir os mesmos e o parecer do promotor de Justiça, devendo tudo ser devidamente anotado no termo de audiência.
A primeira a ser ouvida foi a noiva e ao lhe ser perguntado se confirmava o fato de haver sido seduzida pelo seu noivo, esta respondeu em alto e bom tom:
- Não senhor!
Perguntado novamente a resposta foi a mesma:
- Não senhor!
Tudo no processo estava indicando que ocorrera a dita sedução, mas precisava da confirmação dos interessados para autorizar a expedição do suprimento. 
Perguntado ao noivo se houvera seduzido sua noiva e a resposta dele foi taxativa:
- Não senhor! Devia-se encerrar a audiência visto que não tendo ocorrido a sedução, não havia necessidade de determinar a expedição do dito alvará de suprimento. 

- Doutor... doutor... - socorreu o Escrevente baixinho: eles não estão entendendo não, doutor... a palavra é “buliu”... pergunte se ele “buliu” com ela... Refeita a pergunta o noivo confirmou que houvera bulido com a noiva. Depois perguntei a ela:
- Seu noivo buliu com você?
A resposta foi firme e clara:
- Buliu, sim senhor!
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